domingo, 23 de janeiro de 2011

As árvores em flor...







Há momentos de maior fragilidade que me trazem outros, felizes, perdidos na minha meninice. Talvez seja a forma de encontrar o equilíbrio nestes dias de maior agitação ou de desânimo. É na reflexão e, posteriormente, pelas palavras que se dá o ponto de equilíbrio que me fazem continuar a perseguir o rumo. Esta noite, foi uma daquelas em que o sono não vinha e a emoção tomava conta de tudo. Súbitamente, como num rasgo de luz, vieram-me à mente as imagens e os sons e os sabores de crianças de braços rosados a rirem e a caminharem pelos caminhos verdes que sulcavam a quinta onde passei a minha infância. Estes caminhos eram largos e limitados por árvores de fruto floridas a anunciarem a fartura de frutos que se avizinhava. Cerejeiras, pessegueiros, marmeleiros, macieiras, ameixoeiras... floridas de nuvens brancas ou rosáceas consoante a espécie. Ouvia-se o zumbir das abelhas em torno das suas despensas de pólen e o chilrear dos pássaros era constante.

A Natureza tem a sua linguagem plena de sons melodiosos que apaziguam a mente e tornam o viver em sabedoria. Eu e as minhas irmãs tinhamos o hábito, adquirido pela experiência, de irmos colhendo estas flores delicadamente perfumadas, e de lhes sugarmos a seiva adocicada que delas brotava. Haviam umas brancas , julgo que de marmeleiro, que mastigávamos porque tinham um sabor inolvidável.


Quem não gostava nada destas atitudes era o meu pai. Quando nos via com os cabelos enfeitados de flores e das orelhas penderem brincos elaborados com estas preciosidades zangava-se e explicava-nos que não podíamos arrancar as flores porque por cada flor apanhada era menos uma maçã, uma ameixa, um marmelo, que iriam fazer falta no nosso sotão para alegrar as noites de inverno, para fazer compotas e serviriam ainda como suplemento na alimentaçao dos animais nessa estação mais rígida. Claro que prometíamos não voltar a fazê-lo mas rápidamente nos esqueciamos. Ainda não tinhamos o sentido da responsabilidade e não percebíamos como é que duma flor leve apareceria um fruto muito mais pesado. Só com o tempo e pela experiência fomos apreendendo o real significado do que o meu pai nos queria fazer entender.

Conversávamos e ríamos e brincávamos. Éramos tão felizes! Por vezes também nos zangávamos mas era por pouco tempo. A Natureza tinha sempre um espectáculo novo e uma actividade associada que rápidamente nos fazia esquecer os nossos arrufos e as nossas tristezas.



Passam diante de mim as imagens do dia em que uma vaca morreu ao dar à luz. Infelizmente o filhinho também sucumbiu. Foi um dia de grande tristeza para toda a família. Vivemos o seu sofrimento como se fosse nosso. É pelo exemplo que se dá a passagem de valores, os bons e os maus, e os meus pais souberam incutir-nos o grande valor que é o respeito pela natureza com tudo o que a preenche. O meu pai com a ajuda de vários empregados abriram uma vala enorme e profunda e levaram a mãe e o filhinho num carro puxado por uma "junta de vacas amarelas", as do trabalho duro do campo porque ainda não tinhamos o bendito e barulhento tractor. Ladeámos o carro com ramos de flores e caminhámos em silêncio até ao buraco escuro. Após o trabalho estar concluído o meu pai foi-se embora com os homens e nós ficámos. Decorámos a superfície daquele rectângulo de terra mexida de acordo com o nosso sentimento de perda. Lembro-me que ficou lindo com corações de flores de cores variadas preenchidos com pétalas de rosas. Nos dias seguintes voltámos lá a rememorar e a falar do acontecido até que as idas começaram a rarear ... e acabámos por substituir a perda por outros pontos de interesse que era o que não faltava no nosso dia-a-dia. Felizmente!

Mas a recordação ficou para sempre. Linda a vida. Linda a Mãe Natureza. Maravilhosa escola, a da vida, que nos prepara e fortalece para as batalhas que todos temos de travar ao longo dos nossos dias. Mais uma vez, obrigada Pai, obrigada Mãe por não nos terem impedido de viver estas perdas que nos fortaleceram para outras perdas da vida.





Um dos estudos do Budismo de Nitiren Daishonin diz: "O Inverno nunca falha em se tornar primavera".

As flores de cerejeira precisam de suportar horas de frio para florir e assim é a vida.




A imagem do beija-flor, que está sempre presente na minha vida, nos bons e nos maus momentos.

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